Agência Minas Gerais | Inteligência artificial ajuda a reduzir risco relacionado aos banhos nos leitos de UTIs
A Inteligência Artificial (IA) está chegando às Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), para facilitar tomadas de decisão e preservar vidas de pacientes em estado crítico.
Um novo estudo, publicado este ano na Revista Brasileira de Enfermagem, registra a utilização, pela primeira vez, de IA para estimar o tempo de execução do banho de leito em pacientes críticos, internados em UTIs.
O projeto foi apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
A coordenadora Luana Toledo Vieira, professora do Departamento de Medicina e Enfermagem da Universidade Federal de Viçosa (UFV), conta que o banho no leito é uma prática comum nas UTIs que apresenta riscos para quem o recebe.
“O ato de banhar pode parecer simples e rotineiro mas, para um paciente que está acamado, dependente de cuidados, não é tão simples assim. Senão há rigor adequado, você pode gerar maior risco de infecção”, explica.
Durante o procedimento, a equipe de enfermagem toma uma série de cuidados, prezando pela segurança física do paciente, pois cada movimentação gera gasto de energia que pode causar variações importantes nos sinais vitais, com risco de provocar paradas cardíacas.
Na rotina de muitas UTIs, a intervenção é distribuída entre os profissionais da equipe de enfermagem de forma aleatória, sem avaliação da demanda assistencial de cada paciente e da carga de trabalho requerida.
“Muitas vezes, o técnico de enfermagem tem que dar banho em vários pacientes durante o turno dele. São quatro, cinco, até dez banhos por turno”, conta Luana Toledo. Dessa forma, não é possível garantir que todos os profissionais tenham a mesma carga de trabalho no fim do dia.
A ideia foi encontrar uma maneira de prever o tempo de banho que cada paciente irá demandar, garantindo um ganho gerencial e assistencial ao fornecer uma ferramenta digital que oriente a tomada de decisão dos profissionais de enfermagem e a divisão do trabalho de forma mais igualitária entre os técnicos, inclusive evitando expor o paciente a riscos desnecessários.
“Se a partir da predição do tempo de banho vermos que será muito demorado (superior a 20 minutos) e, ao avaliarmos o paciente, percebermos que ele não está estável, devemos nos questionar: será que compensa dar o banho nele hoje? […] Um paciente que demanda um banho mais prolongado provavelmente exige maior demanda assistencial, mas precisamos pensar que a condição clínica dele pode não permitir um banho com duração superior a 20 minutos, porque é considerado um banho com risco para instabilidade hemodinâmica”, explica a coordenadora.
Coleta de dados
Para solucionar o problema, a pesquisadora testou diferentes métodos de IA para predizer o tempo de banho, considerando o estado de saúde de cada paciente.
A equipe de pesquisa chegou às chamadas Redes Neurais Artificiais (RNA) – metodologia inspirada na arquitetura dos neurônios humanos – para reconhecer padrões diante de uma quantidade grande de dados e reproduzir aprendizado. É a mesma lógica utilizada por sistemas como Siri, Google Now e Google Translate.
O algoritmo utilizado na pesquisa recorre ao banco de dados produzido ainda durante a pesquisa de doutorado de Toledo. Para o estudo, a pesquisadora realizou, com outros pesquisadores assistentes, o banho de leito de 50 pacientes críticos em uma UTI na cidade de Viçosa.
Foram coletadas informações sociodemográficas e clínicas, como o tempo de execução do banho, idade, gênero, presença de comorbidades, uso de sedativos e dispositivos invasivos utilizados para o tratamento de pacientes críticos.
A ferramenta conseguiu alcançar uma precisão de 68,6% na previsão do tempo de banho dos pacientes acamados. Para validar os resultados e ampliar o banco de dados, a equipe de pesquisa avança na coleta de dados em outras três unidades de terapia intensiva.
Até então, já somam dados de mais 300 banhos realizados em diferentes instituições para verificar a qualidade dos resultados do algoritmo e a necessidade de incluir novas variáveis.
A pesquisa segue na construção de uma ferramenta on-line que deve ser disponibilizada gratuitamente. O aplicativo servirá para orientar as equipes de enfermagem na tomada de decisão sobre a realização do banho no leito de forma mais segura e na otimização da divisão do trabalho de forma equânime, contribuindo com a redução da sobrecarga e absenteísmo dos profissionais da saúde responsáveis pela função nas UTIs.
Enfermagem e IA
Luana Toledo conta que, na área da saúde, os estudos de predição têm avançado, mas na enfermagem ainda são incipientes. Para ela, isso se deve a uma ausência de financiamento nos estudos desta natureza, à ausência de conteúdos relativos à informática e IA nas estruturas curriculares dos cursos de graduação nessa área da saúde e, especialmente, à fragmentação dos bancos de dados de prontuários eletrônicos.
A maioria dos estudos área são internacionais, em menor proporção nacionais. São estudos que observam a aplicabilidade da inteligência artificial, avaliando métodos de ensino, avaliando o uso de simuladores virtuais, observando as emoções dos estudantes ao serem submetidos a uma determinada metodologia ativa.
Outros buscam ferramentas para predizer a gravidade de um paciente e a necessidade de acionar um time de resposta rápida capaz de intervir em casos de parada cardíaca, por exemplo. Alguns também utilizam IA para avaliar lesões por pressão e orientar a melhor conduta técnica.
A pesquisadora ainda cita estudos que fazem o processamento da linguagem natural – quando se observam dados da evolução dos pacientes e utiliza-se ferramentas como o ChatGPT para criar um plano de cuidados personalizado.
Para Toledo, com a aplicação da IA à área da saúde, estaríamos “abrindo uma caixa de pandora”: um caminho inevitável, mas que não pode renunciar à humanização.
Para a pesquisadora, é preciso observar os resultados apresentados por ferramentas como o ChatGPT sem os levar como verdade absoluta, pois elas podem carregar viés e produzir inferências negativas, além de orientar intervenções que podem ser desnecessárias e até maléficas para o paciente. Por isso, defende que os profissionais sejam alfabetizados para fazer o uso racional e responsável dessa IA.